terça-feira, 15 de junho de 2010

Memorial - Parte IV

Ensino Médio       

          O Caminhar era uma escola que ia até a Oitava série do Ensino Fundamental, hoje nono ano. Após terminar o Ensino Fundamental eu fui estudar no Sistema Educacional Único. O Único era uma escola que havia sido fundada muito recentemente, cerca de dois anos antes de eu ter começado a estudar lá. Antes havia na cidade um Colégio Exame, considerado um ótimo colégio, cujos alunos tinham um bom preparo para o vestibular. Mas, por motivos financeiros, o colégio veio a falência. Pouco depois, em 2003, uma das coordenadoras, resolver fundar um novo colégio: o Único.
          A escola funcionava em um local muito pequeno, no centro da cidade, no segundo andar de um centro comercial. Havia apenas seis salas. No turno da manhã, eram duas de primeiro ano, uma de 2º ano, uma de 3º ano e uma sala bem pequena de 8ª série. Havia também uma sala de vídeo, bastante mal equipada, contendo apenas uma televisão, um DVD e algumas cadeiras de plástico que não costumavam dar para todo mundo sentar. Havia, além disso, um hall de entrada, uma sala que era dividida entre secretaria e sala dos professores, uma sala da diretoria e uma cantina. Muitas vezes nós ficávamos em sala de aula durante o intervalo porque simplesmente não cabia todo mundo no espaço da cantina, corredor e hall de entrada. Não havia quadra de esportes, as aulas de Educação Física ocorriam em um clube: a AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) e não eram obrigatórias. Eu não fui a nenhuma aula de Educação Física no meu Ensino Médio, embora constem notas fictícias no meu histórico escolar. Os registros escritos oficiais nem sempre traduzem a realidade. Durante a noite funcionava o pré-vestibular. Não havia biblioteca, apenas uma estante com alguns livros na sala da diretora. Foi com essa infra-estrutura que o Único conseguiu se tornar o melhor colégio de Itaperuna até então.
          A maioria dos professores eram jovens e de fora da cidade. Alguns do Rio de Janeiro, outros de Volta Redonda e de Campos dos Goitacazes. Eles diziam que valia a pena a viagem toda a semana devido aos altos salários que recebiam, maiores do que nos outros lugares que estavam acostumados a trabalhar. Eram professores muito qualificados, acostumados ao ritmo de pré-vestibular. Eram jovens e muito engraçados. Fazia muitas piadas durante as aulas ao mesmo tempo que conseguiam dar conta de toda a matéria.
          Aliás eles precisavam dar conta de explicar toda a matéria do Ensino Médio em dois anos. O terceiro ano era destinado a ser uma revisão de toda a matéria dada nesses dois primeiros anos. Por isso, nossos livros eram livros de volume único. Eram comprados no início do primeiro ano e os alunos usavam durante todo o Ensino Médio. Além dos livros, havia apostilas e listas de exercício que ficavam em uma pasta em uma papelaria que possuía xerox perto da escola. Todo o ensino era voltado para o vestibular. Tudo o que não fosse voltado para o vestibular, como a educação física, trabalhos e apresentações em grupo não importavam. Desde o primeiro ano, fomos pressionados quanto ao vestibular. As avaliações eram testes, provas e simulados, todos contendo apenas questões de vestibular. Entravam muitos alunos no início do primeiro ano, poucos sobreviviam até julho. Era grande o número de alunos que saía da escola no primeiro ano do Ensino Médio, o que explica o fato de haverem duas turmas de primeiro ano e apenas uma turma de segundo e uma de terceiro ano. Em Itaperuna não há universidades federais, apenas particulares, cujos vestibulares não apresentam nenhuma dificuldade. A maior parte dos alunos que estudavam no Único era jovens de classe média que possuíam a vontade e a possibilidade de sair de Itaperuna para estudar em uma Universidade Pública ou em uma universidade particular de alta qualidade em outra cidade.
          A partir do meu primeiro ano, eu realmente comecei a estudar muito. As aulas eram de manhã, a princípio, mas depois começaram a ter algumas aulas à tarde, principalmente no terceiro ano. Houve também Projeto UERJ aos sábados de 8h da manhã às 17h da tarde quando eu estava no 3º ano. Em casa, eu também estudava muito e fazia todos os exercícios. Embora eu tivesse decidido no meu primeiro ano que ia fazer vestibular para História e que depois da faculdade faria mestrado em Arqueologia, eu fazia todas as centenas de exercícios de física, química, matemática, etc. A maioria dos alunos estava também num ritmo grande de estudos. Eu era considerada boa aluna, mas não era mais “a melhor aluna” ou “a aluna exemplar” como era no Caminhar e eu fiquei muito feliz com isso. Além disso, os bons alunos eram elogiados pelos colegas e não mal vistos e chamados de “CDF” como acontecia quando eu estudava no Caminhar. Eu adorava os professores, já que eles eram, em sua maioria, muito animados, engraçados e atenciosos. Era uma escola em que eu gostava de estudar, mas onde eu só ia mesmo para estudar. Ela não era um local, para mim, de integração com outras pessoas da minha idade e isso, nessa época, não me incomodava.
          No primeiro ano, havia dois professores de história: o Vilmar e o Diógenes. O Vilmar ensinava História Geral e o Diógenes lecionava História do Brasil. O primeiro era mais velho e apresentava uma visão mais tradicional de história do que a visão que havia me sido passada pela Renata. Geralmente, eu discordava de tudo o que ele falava, não por achar que estava errado, mas por achá-lo conservador. O Diógenes era um professor novo, com cerca de 27 anos. Ele não era muito do tipo engraçado como os demais professores, embora de vez em quando ele também fizesse algumas piadas que todos achavam sem graça. Ele era um professor muito apaixonado pelo que fazia, falava de História com muita paixão e colocava muito sentimento nas aulas dele, na forma como falava e se expressava. Ele era preocupado com questões sociais e dava aulas muito boas. Eu era totalmente encantada por ele e pensava: “se um dia eu for metade do que ele é, eu já vou estar muito feliz”, pensamento do qual eu discordo atualmente.
          No segundo ano, o Diógenes passou a dar aula de História Geral e outro professor, o Renato, lecionava História do Brasil. O Renato era um ótimo professor, explicava a matéria muito bem e também não fazia o tipo “engraçado” como os demais professores. Ele era muito amigo da turma e fazia algumas observações críticas, afirmando não ser possível uma visão imparcial da história, já que até na escolha dos conteúdos a serem ensinados há uma subjetividade. Ele também dizia discordar do currículo, afirmando que a quantidade de matéria deveria ser reduzida e os conteúdos deveriam ser aprofundados.
          No terceiro ano, o Renato deixou de ser professor da escola para fazer mestrado. Todos concordaram que foi uma grande perda para a escola. No lugar dele entrou o professor Piccinini. Eu não me lembro do primeiro nome dele, apenas do sobrenome. O Diógenes voltou a dar aula de História do Brasil porque ele fez questão de ser professor de História Geral. Eu detestava ele porque era muito conservador, ensinava a história de um modo muito esquemática como se ela se resumisse a causas e conseqüências. Ele também se preocupava com nomes, datas e siglas, utilizando algumas poucas questões de vestibular, inclusive da UFF, que solicitaram esses elementos, como forma de legitimar sua preocupação, em oposição a professores como o Diógenes e o Renato que diziam que tais elementos não eram importantes. Ele também fazia críticas ao marxismo e ao comunismo, apresentando considerações deturpadas e equivocadas, o que me irritava bastante. Houve momentos de críticas pessoais indiretas ao Diógenes, que era meu professore preferido. Tudo isso fez com que eu não levasse muito em consideração o que esse professor dizia. Eu prestava atenção nas aulas, mas criticando quase tudo. Todas as minhas dúvidas, seja de História Geral ou do Brasil eu tirava com o Diógenes.
          Houve um momento, quando eu estava no segundo ano em que eu tive dúvidas sobre se eu realmente queria fazer faculdade de história e se eu realmente queria ser arqueóloga. Pensei em fazer veterinária por gostar de biologia e de animais ou medicina e depois me especializar em genética. Eu participei do projeto UERJ quando estava no segundo ano porque coloquei na minha cabeça que iria passar no vestibular no segundo ano, o que acabou de fato acontecendo. Mas eu não pude ingressar na universidade por ter 16 anos, o que fazia com que eu não pudesse fazer o supletivo. Desta forma, eu não tinha diploma de Ensino Médio para fazer minha inscrição. Eu e minha mãe tentamos várias saídas como me emancipar e entrar na justiça, mas nada resolveu a situação. Eu fiquei decepcionada na época, mas hoje eu acho que foi melhor assim. Eu não entrei na faculdade com 16 anos, mas 17 e, mesmo assim, acho que ainda estava um pouco imatura. Mas eu toquei no assunto do Projeto UERJ para explicar que foi em uma aula de biologia deste projeto que eu percebi que não deveria fazer veterinária ou medicina. O professor de biologia abriu um coelho para vermos como era a anatomia por dentro. No início, eu estava tranqüila, mas pouco tempo depois eu comecei a me sentir mal, minha pressão caiu, eu saí de sala e, pela primeira vez na vida, eu quase desmaiei. Por isso, essa minha dúvida durou cerca de 2 meses apenas. Eu não pensava em fazer faculdade de biologia porque não queria ser professora e porque eu gostava mais de história mesmo. No final do segundo ano, todos os vestibulares que fiz foram para História e no terceiro ano também. Passei em todas as provas e escolhi a UFF pela fama de ser “a melhor faculdade de História da América Latina”.


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